domingo, 23 de novembro de 2008

Ei, Caxambu, vai tomar no...


A cidade de Caxambu, Minas, não é assim tão pequena como muitos pensam. Eu pude comprovar isso nesse último congresso de Ciências Sociais. Não tem nada de interessante na cidade quando você vai pela segunda vez, então o que resta é passar o tempo bebendo com os amigos. No meu quarto ficaram três outros caras: um chileno, um paraibano, e um sujeito de Pelotas, e a gente, na última noite, resolveu comprar uma coisa diferente. Era uma bebida rosa, parecia uma batida de morango, mas muito alcoólica e vinha em umas latas muito pequenas. O chileno pegara carona na noite anterior com um caminhoneiro que também vendia isso no bar. Sim, um caminhoneiro dono de bar, ué. A gente ficou bebendo aquilo a noite toda e, quando chegou de manhã, hora de se dirigir à rodoviária, eu já estava muito louco. Cara, eu já estava bêbado, então eu abro o frigobar do quarto do hotel e me deparo com mais um monte daquela bebida maluca estocada! Será que alguém ia revender? Peguei algumas latas para ir bebendo no caminho. Mochila nas costas, parei no ponto do ônibus que ia me levar à rodoviária. Reparei que os hotéis se desocupavam, as sujeiras das festas eram varridas e a cidade voltava ao que era. Os comerciantes contando dinheiro e eu ali bêbado, nem notei que peguei o ônibus errado. Até vi que as pessoas dentro da condução não tinham o naipe de quem está saindo de um hotel rumo a uma rodoviária, elas nem carregavam bagagens. Mas resolvi esperar, a fim de saber para onde estávamos indo. Acho que a viagem durou mais de uma hora. Fui bebendo durante todo o trajeto e às vezes, entre uma dose e outra, tinha a esperança de que na próxima esquina surgiria a bendita rodoviária.

Mas não. O motorista nos despejou num lugarzinho que eu nem sei se pertence a Caxambu, bem longe. E eu por acaso fui parar na parte boêmia do bairro. Em pleno sol escaldante, fui me embrenhando em um recinto não muito bem freqüentado em busca de um banheiro. Não sei se era um grande boteco ou o quintal de alguém. Muitas pessoas ali, parecia um churrasco de confraternização ou algo assim, várias mesas e cadeiras de metal e garrafas de cerveja e pessoas empoleiradas umas nas outras ao som de funk, eu fui abrindo caminho e pedindo passagem. Lembrei da cena do filme do Beto Brant, “O invasor”, na qual o personagem principal adentra a esmo um inferninho brega e a câmera gira em torno dele. Eu estava assim, parecia que tinha uma câmera girando ao redor da minha cabeça. Uma garota mexeu comigo, “Psiu, psiu”, e fez como se fosse segurar minha mão. Não sei por que, eu e ela ficamos abraçados sem falar nada. Até que eu sussurrei em seu ouvido: “Eu estou louco.” Ela se desgrudou na hora, horrorizada, o rosto cheio de pena. Eu queria pelo menos voltar ao hotel e descansar um pouco e essa minha doidice súbita passaria. Disse isso a ela, pedi ajuda. Então ela se dirigiu a uma amiga gordinha sentada debaixo de uma sombra na entrada. A gordinha me olhou e foi falar com um sujeito sobre o meu caso. Ficaram os três conversando atrás de uma bancada de jogo do bicho. Eles informaram que o Hotel Glória era longe, que era melhor pegar um táxi. Eu poderia telefonar para uma central de táxis, do meu celular. Mas qual o número? Ninguém sabia. Aí a gordinha, não sei por que, meteu na cabeça que eu era gringo e principiou a falar em inglês comigo. No que eu respondi: “Pardon, je parle uniquement français, mademoiselle”. Ela ficou bem assustada, coitada.

Eu não sabia realmente o que fazer. Foi quando percebi lá do fim da rua um táxi salvador vindo na minha direção. Mas que merda, ocupado. Pelo menos o número do telefone da empresa estava estampado na lateral. Anotei. Puxei o celular e disquei. Nenhum som. Tentei de novo e nada. Muito estranho aquilo. Parecia que ia completar a chamada, mas na hora h, alguma coisa errada acontecia e o telefone ficava mudo. “Ah, querem saber, eu vou é a pé!”, disse com raiva. Fui andando tonto pela avenida de onde viera o meu ônibus. Uma avenida cercada de casas, biroscas, lojas de pipas e confeitarias de lado a lado. Segui acreditando que ela me conduziria de volta ao hotel. Eu fui andando, andando e andando e depois andei mais. Me ferrei bonito. A avenida foi desembocar numa subida de favela. Puxei de novo o celular. Não é possível que esse número não chame! Nada aconteceu. Mudo de novo. Será que eu anotei errado? Dei meia volta pela avenida. Já sei, olhar as placas. Se eu me guiar por elas eu chego ao hotel. Numa delas vai estar escrito “Hotel Glória a 50m” e eu poderei descansar um pouco para aí então pegar o ônibus certo até a rodoviária. Vi uma que dizia “Centro” e mandava dobrar à esquerda. Fiz isso e dessa vez cheguei num trecho de rua que descia bruscamente, como se ela tivesse sido pavimentada sobre um vale profundo. Executei a descida com perfeição, apesar de um pouco cambaleante. Estranha aquela geografia. Toda uma parte da cidade em um nível muito abaixo do restante. Se der uma chuva muito forte aquela área vira um grande lago. Pelo menos atrairia turistas.

Aproveitei a sombra do muro de uma igreja para descansar um pouco. Parecia ser a igreja principal da cidade. Fui perguntando às pessoas dali se elas sabiam o número de alguma empresa de táxis, mas ninguém sabia. Contornei a igreja e abordei um grupo de mulheres de semblante amigável, coisa rara ali. Elas me disseram que aquele número anotado estava certo, sim. Que talvez fosse problema no sistema deles. Fui andando próximo a elas até que uma me perguntou de onde eu era. Foi aí que me lembrei de um detalhe e resolvi o enigma. Eu deveria digitar o DDD de Minas antes de qualquer chamada, já que o meu celular é do Rio. Nossa, eu bebi tanto que o meu raciocínio tinha se esvaído. Daí eu disquei o código e em seguida o número da empresa de táxis e deu certo! O táxi demorou um pouco, mas veio. “Pra onde vamos, senhor?”. “Pro Hot... Ah, toca pro Grajaú!”. “Hã!?”. “Quer dizer, Hotel Glória.”. “Ah, tá”.