quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O bairro

reconheço esta rua de postes tortos
debaixo de sóis fatigados, ancestrais
e fixos, aquecendo os vazios
onde carros abandonados queimam por dentro.

corro a mão pelos muros fundos
as fachadas dos bares abrem passagem
na frente da escola: a célebre pichação
placas de mude-se declamam versos de aviso.

folhas amarelas fazem barulho debaixo dos meus tênis
uma grande ceia se arma ao redor das esquinas
os camelôs calculam
e os números quicam nos bueiros.

o mendigo sonha em cima dos papelões
pousado no antes, ensimesmado
cachaceiros, crentes, tomadores de empréstimos
observadores de bundas, comedores de cachorro-quente
em fila, na alegoria do encontro
um braço esguio me empurra de lado a lado entre os passantes
infindável ritual.

nas fendas de loja
entre as grades torcidas dos terraços
dentro do cimento, nos pontos de ônibus
zunem, correspondem
lançam-se do alto dos toldos
úmidas, senegalescas, enfeitiçadas de tempo
as vigas primitivas da cidade.

então eu ouço a noite sendo chamada na praça histórica
limpo a luz da testa
e puxo as moedas para a passagem de volta.