quarta-feira, 11 de novembro de 2009

The big party theory


De altíssima velocidade a internet daqui, alucinante. Mas compartilhada entre todos os moradores. Logo, uma carroça medieval. A possibilidade teórica, só teórica, de filmes inteiros em alguns segundos, programas pesadíssimos baixados como quem abre uma pasta, instantâneos. Pois nada disso é possível quando todos estão nos quartos debruçados ao mesmo tempo em seus PCs. E aqui é sempre assim.

Então a música alta começa. Pois eu fui. Caí lá pelo subsolo para ver esse negócio de festa, essa curiosa turba, essas pessoas que chegam e começam a dançar inexplicavelmente, manobrando sem objetivo, sem jeito de ter que te cumprimentar e lembrar do seu nome, só por educação.

Gente irrompendo de trás das portas, por baixo das escadas, montadas nos elevadores. O alojamento inteiro e gente de outros cantos também para ouvir e sentir a festa, no salão lotado. A FESTA. As melhores roupas, aquelas guardadas para o evento, os mais queridos sapatos, os olhares largos e decididos, girando na superfície ou mergulhando no fundo das pessoas, sempre convencionais.

- E você, o que anda aprontando? - Já bebeu absinto? - Mora aonde mesmo? - Já foi no Arteplex? - E o flamengo, heim? - Ah, tá. Já bebeu absinto?

Estavam todos lá, os de cima, os de baixo, os insones, os que não paravam nunca, os desconhecidos, eu também, infelizmente. Tendo que ouvir funk em volume extremo, tendo que sorrir ainda por cima. De repente arregalei os olhos, de ter tido uma idéia óbvia. Pus em prática na mesma hora.

Mas quanta alegria a de voltar ao mundo, correr no silêncio dos corredores. Fugir muito antes do fim para executar no meu quarto downloads na velocidade da luz, um cometa no espaço. 700 Mega em 30 segundos! Todos os fluxos desaguando aqui nesta máquina, ela agradece. Foi feita para ocasiões assim, de gala.

sábado, 27 de junho de 2009

Um recado


Eu não sou triste. Sei que você não está aí, mas entenda isso. É que toda vez que nós nos falamos e discorremos sobre a distância física que nos separa eu não consigo conter isso que se parece com tristeza aos teus olhos, e até tem, assim, um sopro de tristeza, mas não passa do impacto que eu sinto diante da tragédia de não ser convidado a estar aí agora com você nesse momento.

Não acredite na minha aparência melancólica, Catherine. Ela nasce e morre só nas nossas conversas. A tristeza se aloja na minha voz quando você surge com as tuas promessas de adiar o calor do meu abraço.

Essa capa de tristeza, Catherine, que se apodera de mim justo na hora em que a gente se fala é a minha ansiedade de querer pegar nas mãos aquilo sobre o qual nós conferenciamos com tanta erudição e você acha por bem deixar que permaneça no estado abstrato. Mas, ora, esse o quê de indefinível já foi concreto um dia.

Eu não sou triste: mas eu me torno sim triste, a título provisório, nesses momentos perfeitos em que a gente exercita a nossa sintonia um no olho do outro e tenta fazer de conta que é sem objetivo.

Você se põe a convocar outros temas: a música dos gatos trepando no telhado, os aviões no céu do extremo ocidente, o frio vindo do rabo da noite lá fora. Eu sei que eles servem para você não padecer também de carona na minha ansiedade, sendo ela uma droga compartilhável.

Quem dera você visse esse meu lado que as frases entre a gente não mostram, esse meu desejo. Sim, Catherine, desejo. Eu estava tentando te dizer, sem racionalizações. O fascínio dos teus olhos, a chama da vela no black-out, a nossa história, o suor na testa do alpinista, a epopeia heroica dos nômades na puberdade da Terra.

Esse argumento eu não consegui achar ao vivo com a coloração certa, então eu digo agora assim de longe sem correr o risco de ser interrompido, sem medo de que você pegue esse telefone de repente. Sei que você não está aí, não chegou da faculdade. Vou também escrever, Catherine. Te mandar meu sentimento por carta porque acho que você não ouve essa coisa, nem sei por que comprou. Sei que não vai ouvir nunca. É uma pena, porque, é certo, a gente expressa muito melhor no silêncio do que na interação esse absurdo todo, esse indizível, esse imponderável que afinal de contas é o desejo.

Eu e você. Isso deveria ser preenchido com tintas mais fortes. Eu me pergunto por que essa frase, esse fato sintático “eu e você”, tem que ser só uma aglomeração de palavras e não um episódio concreto do mundo real. A gente muito debateu isso, mas não nos termos certos: era para eu deixar de ser esse ausente espectro no cume da montanha noturna que você vê brilhar às vezes lá longe, fora do foco da tua câmera. Era para eu estar no quadro e para isso bastava só um chamado, ou um clique no botão que os teus dedos ainda não encontraram a vertigem certa para apertar.

E quando eu tentei te dizer estas coisas não tive como não ser triste. Quisera eu estar aí e te revelar a minha não-tristeza. Acredite, eu sou mais do que nunca e resolutamente de uma vez por todas um tipo não-triste. Deslizar no romantismo ou no idealismo também não é comigo. Quero ser concreto e maciço, bruto, cortante e colérico. Sou? Como saber?

Essa gravação você pode pôr o teu terapeuta para ouvir, Catherine, ele que te encorajava a não reprimir mais o teu desejo. Para ele saber um pouco mais o que é o teu desejo, ou o teu não-desejo, que ao fim e ao cabo entra igualmente como um desejo só que com o sinal invertido, por isso mais forte e inescapável. Talvez ajude, já que você ainda não tinha encontrado as palavras que o definissem, o seu outro, esse outro distante, esse qualquer coisa no caminho, esse enigma que envolve os teus sonhos. Eu, Catherine.

Sei que combinamos, eu e você, de evitar voltar a esse tema: eu e você. Combinamos? É difícil subir à superfície depois de mergulhar em águas tão profundas...

sexta-feira, 27 de março de 2009

Enxaqueca


Ela veio sem cerimônias. Tudo silencioso, tudo consertado, pacífico, naquele dia. Eu, no meu quarto, sobre uma montanha de memórias. Revoluções atmosféricas do lado de fora, é certo. Mas o vento parava ao perceber a porta fechada do quarto. Vi minha sombra sorrir ali atrás, meu vulto era um tapete deitado no chão branco.

Folheava páginas envelhecidas de lembranças. Revi cenas, reescrevi com a imaginação as falas, juntei palavras ditas. Misturei tudo num discurso jamais dito. Olhei a tela negra da TV e meu reflexo era um desfile de alegorias azuis. O tempo fez uma pausa. Ao retomar a visão, senti o peso das minhas pálpebras.

Foi quando ela chegou. Veio com dois martelos na mão, decidida a destronar minha mente, despregá-la de onde estivesse pendurada. Mil ratos alucinados correram convulsos para fora da toca e o eco que se podia ouvir era uma nota desafinada. Os soldados do meu país tombam inertes no horizonte escuro. Um porta-aviões na vertical, plantado no mar. Um deus desvairado derrubando o sótão. Ela veio desse jeito, tão repentinamente que eu não pude lhe estabelecer uma forma nem adivinhar a fisionomia.

Tornei-me espectador da minha desgraça. Olhos ao contrário, podia ver um exército de rochas em duelo contra o muro e eu no meio, um tigre gordo suspenso por um fio que se desfaz, uma briga de galos no box do banheiro – indecentemente limpo.

Eu me abrigava em cobertores, apagava as luzes, procurava fechar os olhos com chave, e até fiz isso, mas mesmo assim não podia deixar de perceber, lá longe, um relógio imortal a gritar uma música circular. Ruídos periódicos, uma espécie de bomba escondida nos alicerces do prédio do meu corpo. Vindo estereotipadamente, chegando, chegando, pisando cada passo.

Ela me possuiu inteiro. Sua seiva jorrou no mesmo rio das minhas lágrimas e seu coração de granito chocou-se contra o meu, feito bola de bilhar, expulsando-o para debaixo da mesa.

Não foi embora, ficou aqui, cheia de raízes. E não posso mais dizer que sou dono dos meus pensamentos.