sexta-feira, 27 de março de 2009

Enxaqueca


Ela veio sem cerimônias. Tudo silencioso, tudo consertado, pacífico, naquele dia. Eu, no meu quarto, sobre uma montanha de memórias. Revoluções atmosféricas do lado de fora, é certo. Mas o vento parava ao perceber a porta fechada do quarto. Vi minha sombra sorrir ali atrás, meu vulto era um tapete deitado no chão branco.

Folheava páginas envelhecidas de lembranças. Revi cenas, reescrevi com a imaginação as falas, juntei palavras ditas. Misturei tudo num discurso jamais dito. Olhei a tela negra da TV e meu reflexo era um desfile de alegorias azuis. O tempo fez uma pausa. Ao retomar a visão, senti o peso das minhas pálpebras.

Foi quando ela chegou. Veio com dois martelos na mão, decidida a destronar minha mente, despregá-la de onde estivesse pendurada. Mil ratos alucinados correram convulsos para fora da toca e o eco que se podia ouvir era uma nota desafinada. Os soldados do meu país tombam inertes no horizonte escuro. Um porta-aviões na vertical, plantado no mar. Um deus desvairado derrubando o sótão. Ela veio desse jeito, tão repentinamente que eu não pude lhe estabelecer uma forma nem adivinhar a fisionomia.

Tornei-me espectador da minha desgraça. Olhos ao contrário, podia ver um exército de rochas em duelo contra o muro e eu no meio, um tigre gordo suspenso por um fio que se desfaz, uma briga de galos no box do banheiro – indecentemente limpo.

Eu me abrigava em cobertores, apagava as luzes, procurava fechar os olhos com chave, e até fiz isso, mas mesmo assim não podia deixar de perceber, lá longe, um relógio imortal a gritar uma música circular. Ruídos periódicos, uma espécie de bomba escondida nos alicerces do prédio do meu corpo. Vindo estereotipadamente, chegando, chegando, pisando cada passo.

Ela me possuiu inteiro. Sua seiva jorrou no mesmo rio das minhas lágrimas e seu coração de granito chocou-se contra o meu, feito bola de bilhar, expulsando-o para debaixo da mesa.

Não foi embora, ficou aqui, cheia de raízes. E não posso mais dizer que sou dono dos meus pensamentos.

7 comentários:

Isabella F. disse...

Olá. Muito obrigada pelo comentário, fico feliz que volte mais vezes, obrigada!

Isabella F.

http://simbologia-maldita.blogspot.com/

A dona da Torre disse...

Claro q pode! Blogs tão aqui pra isso mesmo!!!

Natália Espinosa disse...

Eu gosto muito do que você escreve, também....
posso te adicionar na minha lista de blogs favoritos?

:)

Mary Jane disse...

Muito obrigada pela visita! Espero recebe-la mais vezes!

=)

Adorei esse texto!


Beijo,
Mary Jane

Paulo Bono disse...

gostei muito de "O Universo cabia naquele quarto".

Continue escrevendo essa porra, man.

abraço

Luíza Oak disse...

Fique à vontade para voltar quando quiser.


P.s.:Nice blog :)

Carlos Pereira jr (merlimkerunnus) disse...

o labirinto passa e a vida fica provisoriamente....